Sinto uma melancolia profunda. Quando voltava ao meu lar, reduzi a velocidade, com a vontade de tornar tudo tão lento que o tempo parasse. Não queria ir para minha casa. Não queria ir a lugar nenhum. De ante uma noite como essa, pensei em tantas coisas, tantos amores, tantas dores... Eu pensei. Nunca a reflexão me traz as respostas, nunca vejo a verdade, ou se a vejo, não a reconheço. Sempre caminho em um vale nevoado onde só tenho vislumbres dos que estão ao meu redor. Ouço as vozes, mas não as reconheço. Por vezes me agarrei tanto as minhas credulidades que ao cair não acreditei em minhas derrotas.
Na última semana fui à casa de meus avos paternos, há anos não os via. Conheci o rosto de tios avos que partiram antes de minha chegada. Descobri sobre a origem de minha linhagem. Sou fruto de um lado de um abuso sexual de um holandês em uma índia. No outro clã que faço parte, foi abuso sexual de um patrão árabe a sua empregada negra. De um lado minha tataravó passou 9 meses no mato para esconder a vergonha. De outro, minha tataravó vou expulsa pelo patrão, tendo que se virar sozinha. Em minha origem sou um filho de Eva, mas sem Adão. Não sou nem Cain, nem Abel. No meu caso não é o ciúmes a maior dor, é a solidão, o abuso, a angustia. É como se toda a dor de minhas linhagens florescesse nessa noite. Sempre fui solitário, mas essa noite só queria ter alguém a me ouvir, a sentir minhas lágrimas escorrerem em seu ombro em direção aos seus seios, mas somente o silêncio me acompanha. Quebro-o com um canto dolorido de quem carrega a angústia de 100 anos. Eu carrego. Mas antes reina a pausa sobre o som. Perante o silêncio meu entoar torna-se ensurdecedor.